sábado, 12 de agosto de 2017

Mata da Margaraça e Fraga da Pena: a bela rota do Xisto que nos foi oferecida!

"Sempre chegamos ao sítio aonde nos esperam".
        José Saramago, A Viagem do Elefante

Deixamos do Piódão com o nosso mapa e a rota marcada pelo moço do Bar! Estávamos decididos a seguir o percurso que ele nos propôs. Uma rota que nos permitiria passar por Mourada Serra, a Mata da Margaraça, Fraga da Pena, Benfeita e terminar em Côja.


A Serra do Açor na sua imensidão acolhe inúmeras aldeias e sítios encantadores, serra e água conjugadas no seu esplendor! Assim, há que escolher pequenos circuitos de cada vez para apreciarmos com tempo cada pedaço desta beleza natural.
A rota desta manhã não tem muitos quilómetros, mas a estrada pela serra a serpentear os rios e a contornar a montanha leva o seu tempo a fazer. O homem aqui não fez a estrada que quis, mas antes a estrada que a natureza permitiu.
Fala-se em  natureza e eis que entramos no fabuloso mundo da Mata da Margaraça.
Esta mata é uma relíquia da floresta de vegetação primitiva existente nas encostas xistosas da Serra do Açor albergando um elevado número de espécies e biótopos com interesse cientifico e para a conservação da natureza.
É um oásis refrescante que surge no meio da Serra e que altera completamente a paisagem. Deixa-se o ar quente e seco e a estrada desprotegida, para nos adentrarmos pela floresta densa, tranquila e fresca.
Esta mata está documentada desde o final do séc. XIII durante o reinado de D. Afonso III, era, então a Quinta de Margaraz, foi propriedade dos Bispos Condes de Coimbra, altura em que o então titular, D. Egas Fafe, a adquiriu. No séc. XIX, foi incluída na lista de "bens nacionais", após a derrota dos Miguelistas. Em finais do mesmo século foi adquirida por particulares, entrando na posse do Estado em 1985.
Logo à entrada encontramos a Casa Grande que se constitui em Centro de Interpretação.  a Mata da Margaraça está sob proteção do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade desde 1985, salvaguardando os valores naturais, culturais, científicos e recreativos existentes. Considerado o último reduto da floresta nativa que cobriu toda a região da Beira Serra, estes 68 hectares de mata impõem-se como uma verdadeira relíquia da primitiva floresta portuguesa. A Mata da Margaraça é ainda um fantástico laboratório natural devido à sua elevada biodiversidade.


 Há aqui todo um mundo a explorar, de enorme riqueza quer ao nível da flora quer da fauna. Carvalhos, castanheiros, cerejeiras, ulmeiros, azevinhos, freixos, azereiros, loureiros e outras, são algumas das espécies que constituem o seu estrato arbóreo. O estrato arbustivo conta com o folhado, aveleiras, aderno, gilbardeira. Ah! E os medronheiros....há tanto tempo que não via medronheiros tão grandes...memórias de infância e dos tempos em que corria por outras matas!
Continuemos o nosso passeio... ainda dentro da mata alguns quilómetros à frente avistamos a placa de Fraga da Pena!



A água, por enquanto, não se vê, mas acompanha-nos, no ouvido, articulada com o canto dos pássaros, numa espécie de comissão de boas-vindas pura, natural.
Neste caso podemos  dizer que há acidentes que são uma bênção! Pois, foi devido a um acidente geológico atravessado pela Barroca de Degraínhos, que teve origem um conjunto de quedas de água sucessivas. Estas, denominadas de Fraga da Pena!



Parece que entramos num dos filmes de Indiana Jones! Atravessamos pontes de madeira, subimos degraus escarpados na pedra e sempre a acompanharmos o som da água!
As águas que se despenham desta cascata correm por um vale muito apertado na montanha, que surge de forma repentina, dotada de vegetação abundante a cobrir o xisto. O desnível da Cascata da Fraga da Pena chega aos 20 metros de altura.
E a água cai numa lagoa onde apetece mergulhar e repousar...aqui os deuses devem ter-se perdido de amores pelo homem para lhe oferecerem tamanha maravilha!
É um paraíso natural escondido que esperamos se perpetue no tempo e sobreviva à loucura dos mercados e do turismo...




O espírito está regenerado mas nem só de beleza e de repouso vive o homem! Também observámos muita gente a piquenicar neste recanto, e já passa das14h, é hora de alimentarmos o corpo e a B. depois do banho está esfomeada....rumo a Côja para o almoço!
 
 
 

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Piódão,finalmente! A aldeia presépio de arrebatar a respiração!

“…é bem certo que os paraísos não são todos iguais, há-os com huris* e sem huris, porém, para sabermos em que paraíso estamos basta que nos deixem espreitar à porta. Uma parede que proteja da nortada, um telhado que defenda da chuva e do sereno, e pouco mais é preciso para viver no maior conforto do mundo. Ou nas delícias do paraíso.”
   José Saramago, A Viagem do Elefante

Depois de muitas curvas e de subirmos a serra do Açor com um calor sufocante, e já um pouco impacientes por não chegarmos ao nosso destino, aliás,  esta é a  nossa segunda tentativa, porque o ano passado nesta rota desviamo-nos para irmos à praia fluvial de Loriga....e pronto, encontrámos muitas e belas praias fluviais e lá nos desviamos definitivamente do destino! Desta vez....uffff....aí está a nossa aldeia!
Vista Panorâmica do Piódão para quem vem de Foz de Égua 
A seguir a uma apertada curva abre-se à nossa esquerda o casario de xisto em escadinha! Que maravilhoso vislumbrar daquela que é por muitos considerada a mais bela aldeia de Portugal!
O Piodão mesmo ao longe deixa antever a sua beleza e a grandeza de um povo que teve a vontade e a coragem de esculpir e carregar a pedra para aqui se instalar!
É nestes momentos que me sinto orgulhosa de ser portuguesa,  de fazer parte da história deste povo tão valente e capaz de grandes feitos.
À medida que nos aproximamos da aldeia destaca-se do anfiteatro escuro de xisto a brancura ponteada a azul da igreja da Conceição que emoldura o mais belo postal deste local deslumbrante. É  em frente à sua escadaria que se encontra o largo da aldeia, um centro de vida e de bem receber que nos acolhe com as suas esplanadas cheias de turistas a degustarem a mais genuína gastronomia serrana.
Igreja Matriz de Piódão - igreja de nossa Senhora da Conceição
Quando no final do século XX a emigração terminou com décadas de vida de auto sustentabilidade baseada numa agricultura e pastorícia comunitárias, a aldeia não só ficou deserta como também degradada. Felizmente foi o turismo e a rede de aldeias de Portugal quem lhe devolveu um novo futuro. Por isso, o turismo aqui tem de ser bem-vindo. O artesanato e a gastronomia possibilitam o sustento, a par dos alojamentos bem planeados para que ninguém roube de novo a alma a este lugar.



Devem ter sido tempos bem difíceis os que estas gentes viveram. Perdidos e isolados no meio da serra, longe das comodidades das cidades, sem estradas e sem comunicações. A serra mãe protegeu-os. A herança genética em valentia e ousadia de um dos primeiros habitantes estava-lhes certamente no sangue para conseguirem a proeza de ali fixarem as casas, pedra sobre pedra, como se de um altar se tratasse. De facto, diz a lenda que os piodenses são descendentes de Diogo Lopes Pacheco (um dos carrascos de Inês de Castro), pois, após a sua fuga para Espanha, teria regressado a Portugal e se fixado ali. Este acontecimento teria lugar no século XIV.














Certo é que este casario em xisto e com telhados de lousa, janelas e portas de madeira azul, encaixa-se na perfeição pela encosta abaixo, e parece um paraíso a apelar a uma fuga. Dizem que acolheu políticos e fugitivos em tempos idos. Acredito mais que tenha acolhido amores proibidos tal é a sua beleza!
Percorrer as estreitas ruas, imaculadamente limpas e cuidadas e espreitar a cada esquina mais um recanto surpreendente, seja uma entrada com bonitos vasos, seja uma varanda de verde serpenteada, ou uma fonte, ou um recanto a servir de miradouro para a serra que se ergue e nos faz lembrar um filme bucólico e simultaneamente um cenário natural que é património nosso, é em todo o conjunto uma experiência maravilhosa de (re)encontro com a nossa identidade de povo descobridor e aventureiro.
Apetece ficar aqui à conversa com esta gente de afectos e simpatia, que nos recebe como filhos e nos quer contar histórias.




Se tivéssemos mais tempo ainda faríamos uma caminhada seguindo uma das sugestões que os percursos pedestres oferecem e voltaríamos a Foz d'Égua para conhecer o místico Altar e atravessar a ponte à Indiana Jones. Mas temos outros planos! O moço que nos atendeu na esplanada fez o favor de nos desafiar a fazermos uma parte do circuito do Açor que em seu entender é a rota mais bonita! Marcou no nosso mapa um traçado a ligar Moura da Serra - Mata da Margaraça - Fraga da Pena - Côja. E quem somos nós para questionar um piodense?!!! Daqui seguiremos o plano que nos foi traçado...

Últimas fotos, mais uns passos por esta aldeia cheia de charme e magia! Um lugar extraordinariamente bonito e relaxante que nos transporta a tempos mais simples e harmoniosos. Aqui tudo se conjuga de forma harmoniosa... saímos de alma cheia e espírito ainda mais livre e leve!





Pela Serra a caminho do Piódão!

“Ao contrário de outras serras, (…); a Estrela não divide: concentra.”

     Miguel Torga

Quando se deixa a Covilhã via Unhais da Serra começamos a subir a Serra da Estrela pela encosta Sul! É uma pirâmide verde e montanhosa que se ergue e que começa a densar-se. Toma-nos a respiração e por esta altura o ar é tão puro quanto quente. Deixa-nos extasiados!
 Esta manhã optamos por fazer o percurso Unhais da Serra -Piódão! São cerca de 50 kms e quase duas horas de percurso (de carro) por entre montes, curvas e contracurvas. A serra da Estrela, pela sua massa e altitude é a principal montanha de Portugal Continental. Elemento maior da Cordilheira Central alberga o Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), com 88.850 há.
A maioria das pessoas procura a Serra no Inverno devido à Neve, mas no Verão há uma outra Estrela a descobrir. A Serra das lagoas e pastagens de altitude, turfeiras, carvalhais e castinçais, áreas de mato e de floresta de produção. A paisagem verde e de granitos e xistos. Nascente de importantes rios, do Mondego, Alva e Zêzere, verdadeiro castelo de água a dominar as Beiras e assento de variadas facetas climáticas.

 

Foi em busca dessas paisagens bucólicas e idílicas que quisemos fazer este percurso. Talvez por ligações afetivas ou identitárias, ou tão só pela imponência das paisagens não me canso de subir a serra! Como boa beirã gosto dos verões quentes, do ar saturado, de ficar sem fôlego ao olhar para os vales a perderem-se de vista. E em família este roteiro tem outro sabor. Faz-me recordar a lenda de um pastor que falava com uma estrela e a quem um Rei prometeu dar muitas riquezas em troca dessa estrela. O bom pastor não cedeu. E para homenagear a sua amiga, um dia disse: esta serra há-de chamar-se Serra da Estrela.
Conta a lenda que no alto da serra ainda hoje se vê uma estrela que brilha de maneira diferente das outras estrelas, como que à procura do bom e velho pastor amigo.  

Sem dúvida, a Estrela é Mãe protectora! Esta natureza tem os seus braços a protegerem o extenso manto de terra e ouve-se o vento a marcar a cadência de uma viagem que inspira e nos faz sentir pequenos e maravilhados com o poder quer da natureza quer dos homens que conseguiram aqui construir vida e marcar território. O Homem não quis que estes rios corressem selvagens, como sempre foram. Nestes vales escavados pelas águas com pressa de serem ribeiras e rios, implantou barragens para transformar a força do fluir das águas em electricidade. Também aproveitou os socalcos e acidentes geromórficos para cultivar e construir belas aldeias escondidas que podemos descobrir em cada esquina.
 E neste roteiro quando deixamos a Serra da Estrela e entramos na Serra do Açor, mesmo antes de se chegar ao Piódão, encontramos um oásis natural - Foz de Égua! Um pequeno açude que foi sendo criado com a bifurcação das ribeiras de Chãs e do Piodão, e que resultou numa paisagem sem igual.

Seguindo em direcção ao Piódão pela margem direita da ribeira, o percurso continua pelas curvas da encosta, tendo como paisagem a extraordinária engenharia de conquista de espaço à encosta: as quelhadas ou socalcos. São patamares sobre patamares, escadas que ziguezagueiam os terrenos a cultivar. Verdadeira prova de esforço do homem.

Numa última paragem num miradouro improvisado olhamos finalmente para o Piódão! Que belo presépio de Xisto!



 

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Papas e Pêssegos, festas genuínas na Covilhã!

Cada terra tem seu uso, cada roca tem seu fuso.
        Provérbio popular
É bem verdade que o povo tem quase sempre razão. Em cada terra há usos e costumes e crenças muito próprias.
Da mesma forma existem aspectos linguísticos relevantes, festas e romarias populares, tradições e em particular superstições que persistem nas vivências de uma parte significativa dos habitantes.
Na Beira Baixa destaca-se a simplicidade e sempre presente uma grande proximidade ao elemento terra que durante séculos foi o centro de atenções, vida e sustento do Beirão.
Quis a sorte brindar-nos com duas festas durante a nossa escapadinha à Covilhã. Na manhã de sábado estivemos na festa do pêssego.  


Fachada do mercado municipal da Covilhã
















No âmbito da requalificação do Mercado Municipal, a Câmara Municipal da Covilhã organizou um evento promocional do pêssego, produto local que tem um grande impacto na economia."Com o Mercado do Pêssego, a Câmara Municipal da Covilhã pretende juntar passado, presente e futuro num evento inédito, atrativo e descontraído para o qual convidamos todos os que se queiram associar a esta celebração do renovado Mercado Municipal e do Pêssego da Covilhã”, afirmou o autarca da edilidade na abertura desta festa.
            
       Logo à entrada do mercado encontrava-se um grupo a animar o espaço com música e se dúvidas houvesse que estávamos no festival do pêssego, a quantidade e diversidade deste produto que em todas as bancas existia atestava por si só os objectivos do evento.


Claro que também comprámos pêssegos, mas foi difícil escolher pareciam todos deliciosos e se não estivéssemos tão longe de casa teríamos comprado muitos mais... para além dos produtores havia um espaço gastronómico inteiramente dedicado ao pêssego. Desde doce, compotas, bolos, folhados, mousses e outras sobremesas, havia de tudo um pouco a fazer lembrar como os beirões são bons garfos mas igualmente bons mestres de cozinha e muito criativos. De aspecto tudo nos parecia apetecível e tentador, mas tínhamos acabado de tomar um requintado pequeno-almoço no hotel, e não havia espaço nem para uma sangria sequer.






Não abalámos do mercado sem comprar um molho de Xerovias.
A Xerovia é uma raiz que se cultiva nesta zona do país, e tem a forma de uma cenoura e a cor do nabo. O seu sabor é uma mistura de ambos os legumes, mas mais acentuado e até adocicado. É um sabor único e extremamente agradável, podendo ser servido como entrada ou como acompanhamento de um prato de peixe.
E, uma vez que começámos o dia na festa do pêssego terminámos na festa das papas em Boidobra!

Mascote da Festa das Papas de Carolo
Desde que aqui chegámos que vimos vários cartazes a anunciar a 9ª festa das Papas! E mesmo sendo beirã confesso que nem imaginava que tipo de papas seriam, e claro, não quis ficar intrigada. No fim de jantar lá metemos no GPS Boidobra e fomos direitinhos ao parque das merendas onde a mascote da festa, como boa anfitriã nos recebia.   
É o Rancho Folclórico da Boidobra que tema cargo a organização e tem o objetivo de promover e divulgar as papas de carolo de milho, “a iguaria tradicional das beiras”.
 
Falámos com uma simpática senhora que nos explicou tudinho e fizemos as coisas "como manda a sapatilha", fomos para a fila de pré-pagamento pagámos as tacinhas e respectivo conteúdo e uma caneca para bebermos a sidra, ou não estivéssemos em terras da famosa maçã da Cova da Beira. Depois fomos "abastecermos"....hummmmm!

 






Tal como nós, muitas pessoas desconhecem a aparência, o sabor e a textura deste magnífico doce, e aproveitam a Festa das Papas para conhecer.
Nós ficámos rendidos!
À falta de arroz, e com abundância de milho, os beirões desenvolveram as papas de carolo. Trata-se de um doce semelhante ao arroz doce mas feito com o carolo de milho – uma espécie de farinha de milho com uma moagem mais grosseira.
O sabor é muito agradável e fez-me lembrar leite-creme, apenas a textura é um pouco diferente. Valeu a pena a aposta. E demorámo-nos um pouco mais pelo recinto a escutar um grupo que parecia a Brigada Vítor Jara! Foi um dia rico em experiências sensoriais e a B. ficou a conhecer mais um pouco da cultura beirã.