sábado, 31 de dezembro de 2016

Uma espreitadela pela mira fotográfica de um amigo!

"FOTOGRAFar é colocar na mesma linha a cabeça, o olho e o coração.
    Henry Cartier-Breson
Não é novidade que sou uma ávida de cultura, uma devoradora da diferença e, por isso, gosto de muita coisa e nesse muito inclui-se a fotografia.
Gosto de ver boas fotos, de imaginar o pensamento por trás da objetiva e de imaginar a história que a foto conta....
Infelizmente não sou boa fotografa nem tão pouco fotogénica, mas admiro os fotografos.
E parece que mesmo a propósito calhou haver uma boa exposição de fotografia, que inclui fotos de um amigo, mesmo ali em frente à casa onde me habituei a comprar o bacalhau para o Natal de casa. A casa do bacalhau da rua Santo Ildefonso, pois claro.
Esta exposição de que vos falo está na Galeria Geraldes da Silva.
http://galeriageraldes.blogspot.pt/
Esta é uma das Galerias mais recentes da cidade, tem pouco mais de uma década e não fica na street art do Burgo, que é como quem diz, não fica na Miguel Bombarda. Mas nem por isso tem menos importância, até porque a descentralização normalmente tem vantagens.
Esta Galeria abriu em 2004 num prédio cheio de história totalmente reabilitado.

 
São 4 andares belíssimos com um pátio interior de uma luz magnifica e potenciadora deste empreendimento cultural que visa nos seus ateliers apoiar e expandir a auto-realização artística.
E nesse contexto de serviço à divulgação artística esta galeria alberga actualmente uma exposição do grupo de formação da Fotografia 74.
Ora,  foi esta a exposição que me levou até à galeria. A fotografia e Américo Cartucho.


Tive oportunidade de ver boas fotos. De olhar para imagens de outros lugares, contemplar rostos e abraços, ver a luz, a cor que as objetivas fixaram.
E realmente há sempre uma outra perspectiva, um outro olhar, mesmo quando se vê aquilo que repetidamente é fotografado. Por que cada foto é única.


Nestas fotos há um pensamento, um momento, um interesse que faz surgir a criação. E o Américo tem este dom, de fixar com a objetiva histórias e momentos que falam e perduram...


sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Paço Episcopal do Porto: abriu-se o segredo mais bem guardado nos últimos 600 anos!

" o trigo que semeou o pregador evangélico, diz Cristo que é a palavra de Deus.
Os espinhos, as pedras, o caminho e a terra boa em que o trigo caiu são os diversos corações dos homens.
Padre António Vieira in Sermão da sexagenária
Quando António Vieira escreveu este sermão criticando a nobreza católica barroca (1655), o Paço episcopal do Porto já existia mas ainda não tinha a imponência actual.
Pensa-se que terá sido construído no séc XIII e que ainda no período medieval tenham sido aí celebradas as bodas de D. João I com D. Filipa de Lencastre. Desses tempos resta uma janela barroca que mesmo à entrada do Paço quase passa despercebida.
E foi com Nicolau Nasoni que começou a grande e imponente reconstrução deste renovado Paço em 1734. Quem diria?! Nasoni, o artista italiano perseguido pela inquisição teria de saldar as suas dívidas com o trabalho e com a entrega à Igreja Católica de algumas das suas mais emblemáticas obras, pelo menos no Porto! Ironia do destino! Saíram os portuenses a ganhar...




Embora Nasoni tenha feito a planta e tenha dado início à obra, só acompanhou o projecto até 1737 e, embora as obras se tenham prolongado por mais um século, o seu projecto não foi concluído. D. Rafael de Mendonça quando foi nomeado bispo decidiu apressar o terminus da obra para começar a habitar o Paço...
E são precisamente as armas de D. Rafael de Mendonça que figuram sobre  a janela central acima do portal ladeado por frontoes rococó.
Entra-se no piso principal pela sala dos espelhos.
E daqui passa-se à sala verde. Sala das audiências onde às quartas-feiras o Sr. Bispo recebe os católicos que assim o queiram, razão pela qual o Paço está encerrado às visitas.

Seguimos para a sala vermelha, reservada às mais nobres e altas personalidades....Não era o nosso caso, embora sem qualquer modéstia possa confirmar que neste grupo há gente bem nobre! Eheheheh. ...
Como o senhor bispo não veio sentar-se no trono para nos receber fixei os olhos no mais antigo móvel da casa, um contador com 600 anos de memória e segredos!!!!!

Nestes espaços abertos agora ao público sente-se o peso da história do Porto. Este foi também um espaço de luta, e na altura do cerco do Porto aqui estava sediada uma bateria de defesa da cidade. Se a maioria dos danos foram colmatados com novas obras, a marca que nos faz lembrar essa época está bem visível na fachada interior principal, pois, há uma pintura que desapareceu e em seu lugar ficou o espaço vazio.
Já no séc. XX  ( entre 1916 e 1956) este edifício albergou os Paços do Conselho e nessa altura o recheio da capela foi roubado.

É apenas uma pequena parte deste monumental edifício que se pode visitar, mas felizmente já é uma parte que se abre à cidade e aos cidadãos, porque é parte da história do Porto e do seu Povo...
Abençoada a hora que me uniu a esta fantástica maltaromatica, pois, quiçá sem eles não teria conhecido este monumento...Depois de tantos anos fechado, a abertura do Paço ao público abre a curiosidade intelectual de muitos portuenses e não só! Feliz esta ideia, merecida abertura! Aproveito também para deixar o meu bem-haja ao Carlos Vieira mentor da nossa visita desta manhã.☺😊😃

 ,

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Roupa velha no dia de Natal!

Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
(...) de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
    António  Gedeão,  Dia de Natal in " Antologia Poética"
Foi ontem. Foi dia de Natal.
A minha festa preferida desde sempre, por tudo. Pela magia, pelas luzes na cidade, pela simpatia acrescida das pessoas, pelo prazer de dar presentes, pela família, pela ementa, pela azáfama. Gosto de tudo nesta quadra. Desde cedo, desde sempre!
As minhas memórias de Natal são boas e ruidosas. Foi sempre o Natal em Coimbra com a avó Tina, o padrinho, as tias e os tios paternos e o primo Filipe. Claro, com os pais e manos. Era sempre igual durante anos...chegavamos de véspera, começavam as compras na baixa. No dia 24 havia paragem obrigatória no mercado D. Pedro V, era preciso apressar a avó e essa era tarefa difícil....eheheheh. Depois, era a confusão própria da consoada. O problema era o bacalhau... E até à idade adulta essa era a parte chata do Natal, porque não gostava de bacalhau cozido, mas a avó não deixava que nos dessem outra coisa, dizia sempre: " os meninos não gostam comem menos ao jantar e comem mais na ceia". Sim, porque nesses tempos havia o jantar e por volta das dez da noite voltavamos a pôr a mesa para a ceia de Natal, com mariscos, carnes frias, bolinhos de bacalhau e os doces: as filhoses, as rabanadas, aletria, arroz doce, bolo rei e as belhoses da avó! Depois, à meia noite em ponto chegava o Pai Natal com as prendas e era a euforia total!
Foi sempre assim até 2005, ano em que nasceu a minha filha B. Nesse ano, com 7 dias a B. Foi o menino Jesus da casa, e no nosso apartamento de Viseu fizemos o nosso primeiro Natal com todos.😀 A família de Coimbra e a família do meu marido, os do Porto.
Foi um Natal muito especial. A apresentação da B.  No ano seguinte foi o último Natal com o meu pai.
E desde aí o Natal passou a ser aqui em casa, no Porto!
Agora os rituais são diferentes. Fazemos a consoada, mas  não há ceia ( com muita pena minha). Variamos no número, pois, cada um tem outras famílias com quem têm de se dividir. A B. fica sempre mais contente quando tem as primas para brincar, e enquanto as meninas acreditaram houve sempre pai Natal. A ementa também mudou, ou melhor, aumentou. Junta-se a tradição e as iguarias da Beira com os pratos do Porto.
E é um desses pratos típicos do Norte que quero partilhar convosco: a roupa velha!
Este prato é da responsabilidade do chef de casa e já não o dispensamos. É o primeiro prato do almoço de dia de Natal.
Ontem como éramos poucos ao almoço houve roupa velha e cabrito assado no forno.
Enquanto eu temperava e preparava o cabrito para ir ao forno, o chef da casa preparava a roupa velha. Ser anfitriões é um prazer mas dá trabalho....eheheh


Vamos então à receita!
Não se sabe muito bem qual a origem e quando começou a " roupa velha" a fazer parte das mesas nortenhas, julga-se que se chama assim, por ser feita a partir dos restos da consoada e por estar tudo esmagado!
Aqui em casa ele pega nas sobras da consoada: bacalhau, batatas, cenouras, pencas e grelos e começa por tirar as espinhas ao bacalhau e por desfazer tudo em pedaços numa taça grande. Depois amassa tudo à mão e rega com azeite e alho, perfuma com cominhos e decora com os ovos cozidos partidos em fatias. Por fim, coloca tudo num tabuleiro e vai ao forno aí uns 20 min.
Depois é só saborear!
Este agora é sempre o nosso primeiro prato em dia de Natal! E este ano estava bem saboroso....


terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Miscaros: um manjar a lembrar os sabores de infância!

Quem conhece e já comeu miscaros sabe que este é um daqueles raros petiscos de comer e chorar por mais!
Eu sei que actualmente este é um assunto polémico, reconheço que pode haver toxinas neste fungo mas, certamente a quantidade consumida sazonal e cada vez mais raramente não deve trazer grandes danos ao organismo. Também sei, que nem sempre são apanhados por conhecedores e que sempre estiveram ligados a intoxicações, mas julgo que isso é mais por imprudência e ignorância, porque como diz o povo, só deve apanhar miscaros quem sabe.
E há que ter em consideração que são também uma fonte de rendimento de muitas famílias do campo.
 Quando era mais nova tive o privilégio de acompanhar o meu pai com amigos entendidos e andar nos pinhais por essas tardes de Novembro a apanhar miscaros. Bem, verdade seja dita, eu era mais a assistente que os colocava no cesto! Eheheh parece que apanhar miscaros não é o meu forte! Isso de andar com um pauzinho em volta dos pinheiros a ver se os "amarelinhos" apareciam é mesmo para gente entendida!
E esta é a forma mais sustentável de apanhar estes " tricholoma flavovirens" vulgo miscaros amarelos, e em seguida tapar a covinha com terra para emergirem mais e não danificar o ecossistema!

 Hoje, infelizmente estão longe esses tempos de abundância e rituais e é com parcimónia que faço o gosto ao dente, graças à minha mãe que faz o favor de ir a umas camponesas de confiança que aparecem no mercado a vender a iguaria  ( que chega aos 15 ou 20 euros/ kilo)! A minha mãe faz uns pickles com os miscaros que são mesmo uma delícia, mas essa é uma receita que deve preservar!
Esta noite para saborearmos este pitéu fiz um arroz estufado de miscaros com carne!



 Soube bem cozinhar este prato, fiquei com a cozinha envolvida num agradável cheiro, um misto de pinhal, terra e perfume natural, um cheiro indescritivel mas suave, próprio dos produtos naturais que nos  trazem boas e doces memórias! Hum....depois do cheiro só mesmo este saboroso paladar....que bom jantar numa quadra tão especial!
 
E agora sim, partilho convosco a minha receita:
Ingredientes 
1 kg de miscaros amarelos
1/2 chouriça de carne
500g de carne de porco (rojões)
Louro, pimenta, alecrim, tomilho e sal
Alho e cebola
Começamos por fazer um bom refugado com cebola, alho e louro e um fio de azeite. Quando a cebola estiver lourinha adicionar a carne partida e os temperos ( tomilho, alecrim, pimenta). Quando a carne estiver já um pouco estufada, adicionar os miscaros ( previamente bem lavados em várias águas e cortados em pedaços ).
Ao fim de uns 20 min. em lume brando perfumar com um copo de bom vinho tinto e deixar cozinhar por mais 15 min.
Quando a carne e os miscaros estiverem bem tenros adiciona-se o arroz.
Assim, que o arroz estiver cozido, desliga-se e serve-se de imediato.
Experimentem....

domingo, 11 de dezembro de 2016

Homenagem à Ribeira nos 20 anos de património cultural da humanidade

" o Porto é hoje outro lugar. Hoje, o Porto mudou a sua fisionomia mas não a alma em que se debatem as ambições e o espírito das leis."
     Agustina Bessa Luis, O porto em vários sentidos, 1998
É Domingo, Dezembro e está sol e calor, o que para esta altura do ano é algo raro. As ruas estão repletas de gentes, de turistas também, que o Porto está em festa, mas está aí para todos o viverem e apreciarem....
Nós também. Começamos por chegar de metro ao  jardim do morro para lhe admirarmos a beleza. É de Gaia que o Porto se admira e contempla melhor. Não há dúvida. 

E Agustina Bessa Luís também soube bem olhar para esta cidade. Tem razão quando diz: " toda a cidade, com as agulhas dos templos, as torres cinzentas, os pátios e muros onde se cavam escadas, (...) tem toda ela uma forma, uma alma de muralha".


Essa alma de gente grande que sabe lutar e virar-se ao rio....como viu Saramago, "O Porto é esse largo regaço aberto para o rio...."
E como houve gentes que deram a vida por esta cidade ao rio. O rio que trouxe o vinho e os cereais, sustento de tantas gentes.  Este rio que se enche de barcos rabelos, hoje carregados de turistas e assim, continua a dar sustento, alento e esperança.
E se hoje a Ribeira se enaltece e engalanada e orgulhosa, festeja os seus 20 anos de Património mundial decretado pela Unesco, há mais de 200 anos inscreveu na história uma das maiores tragédias portuenses: a tragédia da Ponte das Barcas.

Em Março de 1809, quando o general Soult liderava a segunda das invasões francesas forçou a defesa da cidade invicta e  desceu a rua Nova com os seus soldados em fúria, milhares de portuenses indefesos e em desespero correram até à ponte na esperança que as barcas os levassem até à outra margem. Mas, o peso dos milhares de habitantes encurralados pelos furiosos militares franceses, fez ceder as barcas que sustentavam a ponte...
!

E a esperança deu lugar ao horror, o porto de abrigo que estas gentes encontraram foi a quietude da morte...

A Ribeira  guarda a sua memória e presta-lhes homenagem, por que este povo valente imortalizou esta força, esta garra que permanece nas almas valentes dos que continuam a lutar por esta cidade. Bibo portoooooo! !!!