quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

um café de saco no café Progresso, pois claro!

A fachada do antigo, mas bem conservado prédio, não engana. O café Progresso é o mais antigo café do Porto.
Acreditem, nunca até agora tinha entrado neste café. Infelizmente, os locais mais próximos de casa são a maioria das vezes os mais desconhecidos. Vamos adiando as visitas com outros objectivos que priorizamos. Eu até frequento bastante esta zona do Teatro Carlos Alberto, mas ainda não tinha calhado entrar no Progresso. Calhou agora e ainda bem. Foi uma agradável e quase bairrista experiência.

Entrar no Progresso é recuar no tempo até uma época mais glamorosa, ou melhor, é apreciar com tempo as coisas simples, como as conversas, a leitura demorada do jornal do dia com direito a comentários partilhados, ouvir os cumprimentos entre os clientes assíduos....
Diz a história que este café abriu num belo Domingo, 24 de setembro de 1899. Primeiramente era conhecido como botequim onde se vendia café e cevada às vendedeiras do Mercado do Anjo que se realizava defronte da Torre dos Clérigos. Chamaram-lhe Progresso por ser o nome de um café-concerto muito luxuoso de Sá da Bandeira que tinha fechado por essa altura. Os anos passaram e o café passou a ser frequentado pelos professores da universidade. Era o " feudo" do professorado por oposição ao " Piolho" que era o café dos alunos.
Com todas as mudanças, Mário Santos o seu proprietário durante várias décadas manteve uma tradição - a venda do melhor " moka" da cidade, ou seja, do café de saco.
Desde 2003 é Afonso Fernandes, por sinal amigo do sr. Mário, o novo proprietário e continua a manter a tradição, tendo inclusivamente cedido a receita deste café à Tenco que a faz exclusivamente para o Progresso.
Actualmente é um dos cafés mais visitado por turistas, mas continuam a ser os clientes assíduos a conferir-lhe o charme.
E depois desta experiência aromática tão deliciosa, confesso-vos que estou inteiramente de acordo com Carlos Tê "café de saco? Café expresso? Para mim tanto faz o veredicto, eu juro fidelidade ao café Progresso". 
Tenho dito!

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A festa britânica que abriu a casa da música a todos

" A técnica é necessária como veículo de expressão e quanto mais perfeita fica a técnica, mais livre fica a mente para interpretar as ideias que animaram o compositor"
Guilhermina Suggia " the violoncello in music and letters
Entrámos entusiasmadas na Casa da Música, desta vez a casa estava aberta a todos e com possibilidade de lhe conhecermos as entranhas e os bastidores, e nós não queriamos perder esta oportunidade.
O tema mote deste novo ano na Casa é " God save the Queen". É o ano britânico. Temos casa aberta. Enquanto esperávamos pela hora de assistirmos ao ensaio geral do Coro decidimos participar numa visita guiada. Uma supervisita com elevado número de curiosos que, tal como nós, decidiram calcurrear corredores, bastidores, espreitar os espaços que normalmente estão vedados ao público em geral.
Subimos ao sétimo andar para acedermos ao pequeno terraço com vista para a rotunda.

Havia ainda tempo para conhecer a agenda e tomar um café no restaurante.

Depois juntamo-nos na recepção e aguardamos que o nosso guia nos levasse pela viagem musical. Acedemos à  Cibermusica, uma sala multifacetada onde nos aguardava um mini-concerto de piano totalmente autónomo e controlado por computador. Uma arrojada criação tecnológica que espantaria Mozart certamente.
Esta casa, num projecto tão dinâmico quão polémico, de autoria do holandês Rem Koolhaas, não deixa de nos surpreender. Parece uma verdadeira " caixa de surpresas" onde os espaços comunicam entre si, fazendo-nos perder a noção de interior e exterior, num jogo acústico desafiante dos sentidos e da imaginação. Parece que Koolhaas imaginou a Casa como um cubo de meteorito que aterrou na Boavista....e este cubo entranhou-se mesmo na cidade!
Na sala da Renascença fomos surpreendidas pela magia do Gamelao robótico, parte da orquestra de percussão tradinional da Indonésia, está ali para ser tocado com um simples click...uma das inovações do serviço educativo da Casa que permite até aos cidadãos com mobilidade reduzida acederem a uma fantástica experiência musical.



Do renascimento para a sala vip e um encontro com pequenas réplicas de alguns dos nossos painéis de azulejos. Uma homenagem a essa arte tão reveladora da identidade portuguesa!

Não é difícil de imaginar músicos famosos deslumbrados com a beleza desta sala enquanto degustam um bom vinho do Porto! Outro surpreendente espaço é o Foyer Nascente com os seus 17 m2 de vidro ondulado permitindo a entrada de luz natural na sala Suggia!
Mas como havia ensaio assistido de Remix Ensemble as cortinas do lado principal da sala estavam corridas. Deu ainda para subir ao bar suspenso e à sala 2, a sala vermelha que serve todo o tipo de iniciativas do serviço educativo e que estava a fazer as delicias da pequenada, pois, havia um enorme grupo de crianças de escolas da cidade.

 Tal como a têm descrito, esta casa é " inquietante, intrigante e dinâmica ", aliás foi assim que a viu o júri quando em 2007 lhe atribuiu o prémio do instituto real dos arquitectos britânicos.

E graças aos britânicos cá andamos nós e todos os que quiseram sentir a casa por dentro.



Mas, agora temos de correr até à grande sala, vamos assistir ao ensaio de " a vida das palavras" pelo Coro da casa da música sob direcção de Paul Hillier...e não nos podemos esquecer que os britânicos são hiper pontuais, tudo vai acontecer no tempo certo!

Que belo trabalho! Tal como william Byrd disse: a música em sintonia com a vida das palavras!
A abertura oficial do país tema da casa deste ano foi mesmo uma festa! Viva a rainha!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Terminal de cruzeiros do Porto de Leixões uma pérola de design arquitectónico português

É sem dúvida uma das últimas obras de arquitectura portuguesa e também das mais belas. Falo do terminal de cruzeiros do Porto de Leixões que tive o prazer de visitar com o grupo da maltaromatica.
Este edifício é um projecto da APDL-  Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo e tem a assinatura do arquitecto e docente da FAUP, Luis Pedro Silva.

Pretende afirmar-se como importante porta de entrada de turistas no Porto e permite acolher cruzeiros até 320m de comprimento. Em ano e meio de existência já possibilitou escala a quase cem mil turistas, maioritariamente de nacionalidades britânica, alemã e americana.
No piso zero encontra-se a recepção e uma área de serviços da alfândega e sef. No átrio principal, todo iluminado por luz natural inicia-se uma rampa em espiral que sobe por todo o edifício até à cobertura. Por baixo encontra-se um bioterio que se espera em breve poder ser observado a partir de um vidro do átrio.

Seguimos ao piso 1 onde se encontra toda a logística de embarque e desembarque de passageiros, passando pela área de controlo abre-se uma ligação directa à manga fixa e à manga móvel para acesso aos navios.


Da manga pode observar-se o Porto de Leixões e um pequeno porto de recreio com capacidade para 170 embarcações que também será aberto em breve.
E continuando pela rampa em espiral acedemos ao CIIMAR - centro interdisciplinar de investigação Marinha da Universidade do Porto onde se encontram alojadas em laboratórios e gabinetes técnicos várias unidades de investigação desde a biologia à robótica. Aqui trabalham diariamente mais de duas centenas de investigadores.


O último piso está reservado a eventos, dispõe de auditório e restaurante e será o espaço social e público por excelência quando este terminal se abrir futuramente ao público.

E daqui se acede a um dos espaços mais arrojado e belo desta obra, uma parede inclinada de 14 metros em forma de anfiteatro que se abre a uma das mais deslumbrantes vistas sobre o oceano.

O arquitecto foi feliz na obra! Um edifício concebido a partir de quatro braços ou quiçá 4 tentáculos que se abrem e expandem ao mar, integralmente português desde a concepção aos materiais, merecia mesmo ser premiado. Daí, que em apenas ano e meio de existência já tenha ganho 3!!!! Título de "Melhor Porto do Ano" em 2015. Prémio de " Arquitectura - edifícios Comerciais ou Institucionais com mais de 1000 m2 e Prémio internacional de arquitectura e design da " AZAwards". É que a par da dimensão da obra, realça a luminosidade, a magnífica interligação entre os diferentes pisos pela rampa em espiral sob a grande clarabóia central e o design do mobiliário e da iluminação.
Mas a cereja em cima do bolo são mesmo os azulejos. Ou melhor, por todo o edifício quer no interior quer no exterior. Azulejos da Vista Alegre, colocados manualmente por cerca de 40 homens e que permitem refratar a luz de modos diversos criando ilusões ópticas de cor variável de acordo com o clima, a hora do dia e a nossa perspectiva. Admirável!  Perto de um milhão de azulejos a tentar recriar a ideia de escamas....e de se ficar perplexa!!


 Esta visita vale mesmo a pena!!! No meu caso foi ainda mais intensa e divertida, porque fui com um grupo de quem gosto muito - maltaromatica. Desta vez éramos 33 magníficos guiados pelo Nuno Miranda. Fica nota 20 para o Carlos Vieira pela organização. E um bem-haja muito grande à Lia Ribeiro porque sem as suas fotos este post não faria juz ao edifício nem à visita! Eheheheh



quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Kossoy vs Castelo Branco ou falemos de Amor!

Igual, sim, que o amor profundo,
Como foi  na terra o meu,
Não expira, é sempre vivo,
Sempre ardente e progressivo
Em perpétuo amor do céu. "
Camilo Castelo Branco in " Carta a Ana Plácido " (1858)
Depois desta carta, Ana Plácido e Camilo de Castelo Branco fugiram e viveram juntos o seu amor em Lisboa e no Porto. Até ao dia 6 de Junho de 1860, quando Ana Plácido foi presa, acusada de adultério, na Cadeia da Relação....no dia 1 de Outubro, Camilo entregou-se também à prisão, relatando sobre esse facto, o seguinte: "Fui ao tribunal do crime, pedi um mandado de prisão  mediante o qual obtive do carcereiro licença de recolher-me nas masmorras altas da Relação."
Este edifício trapezoidal do século XVIII, partilhado quase equitativamente entre o Tribunal da Relação e a Cadeia, testemunhou a pena de Amor sofrida por Ana e Camilo, também viu emergir um dos romances mais lido e a maior obra de Camilo, Amor de Perdição! 
Enquanto Ana Plácido permanecia na ala das mulheres, o estatuto social de Camilo permitiu-lhe ir para o último piso onde ficavam os quartos da Malta, que eram prisões individuais concebidas para as " pessoas de condição".
Em abril de 1974 a Cadeia foi desactivada e nos anos 80 sofreu várias remodelações. No ano 2000 sofreu a última intervenção com um projecto dos arquitectos Souto Moura e Humberto Vieira, de modo a alojar dignamente o Centro Português de Fotografia.
E quis a sorte ou o acaso também acolher aqui, nos últimos meses, a exposição do artista paulista Leonardo Kossoy " Only You".
Uma exposição que chama a atenção para as possibilidades e desafios dos relacionamentos a dois!
Um trabalho cheio de questionamentos e, que permite reflectir sobre o Amor, a relação com o outro, com o corpo...

Neste espaço austero, sente-se o peso da pedra e parece que a humidade e a escuridão realçam ainda mais os corpos desnudados... a sós frente ao erotismo das fotos, somos obrigados a reflectir sobre o desejo e a complexidade da intimidade.

Bataille continua actual, o erotismo traz-nos a problemática da continuidade e da descontinuidade, e, é sem dúvida o maior e o mais sublime problema humano, por que implica a identidade.
Lou-Andreas Salomé tinha já compreendido bem esta questão e clarificou-a quando defendeu que o verdadeiro conflito era o da mulher se fundir com o amado mas preservando a sua identidade..  Sem, dúvida que esta mulher inteligente soube bem do que falava!
E eu aqui a divagar frente a estas fotos!
Durante este percurso ocorrem-me outros autores, tantos escritos sobre o desejo e o amor! Mas, uma certeza, sem amor a vida seria vazia, um sem sentido. Felizmente que há muito que este caminho é feito a dois. Um amor que tem sabido contornar o tempo. E as madrugadas continuam, continuamos a despertar juntos. O Amor também é esta curvatura que amadurece e acalma.
Saio da exposição até ao largo onde o beijo eternizado me parece ainda mais luminoso e intenso.