domingo, 25 de junho de 2017

S. João no Porto: a verdadeira festa do povo!

Ó meu rico S . João 
Eu gosto de ti assim
A sardinha a pingar no pão 
E os amigos junto de mim.
   Quadra Popular
 Se há festa da qual gosto é esta, a de S. João.
Esta festa diz-me muito, pois, quis o acaso ou o destino que nascesse no dia 23 de Junho e para fazer jus à data foi vontade de meus pais chamarem-me Maria João!
Assim, tive sempre a boa sorte de festejar os aniversários de acordo com as tradições joaninas. Em criança rodeada de família, amigos e vizinhos terminavamos a festa a saltar à fogueira com o rosmaninho apanhado na véspera  e a lançar balões!
Depois chegou o tempo da idade adulta, mudei-me para o  Porto e decidi seguir a tradição, um pouco mais á risca, para que a B. perceba a importância da cultura, o respeito pela comunidade e o prazer da liberdade e da celebração do solstício de Verão.
A cascata da B. - Cascata daqui de casa
Uma das tradições do S. João no Porto é a construção de cascatas. Desde logo adoptei esta maravilhosa forma de contar histórias e todos os anos fazemos a cascata da B. sempre com novas figuras compradas na festa do sr. de Matosinhos.
Este ano não foi diferente! É sempre uma forma criativa de homenagear o Santo construindo a aldeia com as suas gentes, em volta do lago e da fonte temos a mulher do cântaro, a peixeira, o pescador. Perto do moinho e do moleiro temos o pastor e o rebanho, á festa não falta a banda nem o menino do balão e assim, se vai desenvolvendo a nossa cascata.
   

Cascata de montra na Rua das Flores
Cascata de montra na rua das Flores
Não deixaremos que se acabe esta tradição da cascata que se mantém há mais de dois séculos. E gostamos de ver as cascatas do concurso e dos bairros populares, sobretudo não deixamos de espreitar a cascata do Bonfim e o S. João das Fontainhas.Esta festa tão popular no Porto tem origens remotas e desconhecidas de muitos. A primeira alusão aos festejos populares data já do século XIV, pela mão do famoso cronista do reino, Fernão Lopes. Em 1851, os jornais relatavam a presença de cerca de 25 mil pessoas nos festejos sanjoaninos entre os Clérigos e a Rua de Santo António e, em 1910, um concurso hípico integrado nos festejos motivou a presença do infante D. Afonso, tio do rei.

A nossa noite este ano começou bem cedo ainda com o sol alto aos pés da torre dos Clérigos, na esplanada de um dos mais antigos cafés da invicta, café Porta do Olival.
Vista dos Clérigos a partir da esplanada do café Porta do Olival
Entretanto chegaram os outros convivas, amigos de longa data e bons foliões, e fomos jantar. Menu da praxe: sardinhas, salada de pimentos, broa de Avintes e bom vinho tinto maduro para brindar. Tudo num dos mais típicos restaurantes do burgo. Daqueles em que tudo é genuíno e que teimam em sobreviver ao turismo!
 
Rua da Galeria de Paris
Como manda a tradição desta festa de forte cariz popular, o S. João do Porto é uma festa que nasce espontaneamente, nada se encontra combinado, embora a festa se vá preparando discretamente  durante o dia, é normalmente depois do jantar, que os grupos de amigos começam a encontrar-se, organizando rusgas  de S. João, como são chamadas.
Também nós, já de estômago confortável começamos o nosso périplo. Atravessamos a Cordoaria, passamos ao "Piolho", descemos a rua da Fábrica em direcção à Praça D. Filipa de Lencastre, voltamos pelas "Gaslerias" e paramos um pouco no fundo dos Aliados. A noite começava devagarinho, a maioria ainda jantava.
Só na rua das Flores já cheirava a festa.
Foto de família  na Rua das Flores
Certamente este costume que atravessou séculos foi mudando á medida que a cidade também se modificou, e se nos primórdios os festejos estavam confinados à baixa cada vez mais se vão alargando a quase todos os cantos.
Há alguns anos atrás, o S. João limitava-se a uma área da cidade que era constituída, pelas Fontaínhas (Ponto nevrálgico), R. Alexandre Herculano, Praça da Batalha, R. Santa Catarina, R. Formosa ou R. Fernandes Tomás, R. de Sá da Bandeira, R. Passos Manuel, Praça da Liberdade, Av. dos Aliados, R. dos Clérigos, Praça de Lisboa, e no retorno, subindo-se a R. de S. António, estava praticamente concluído o percurso obrigatório. (in revista “Porto de Encontro”, Julho de 2001.)
Mas, actualmente a rua das Flores sendo das mais  renovadas e animadas da cidade, tem esta noite um encanto especial. Passámos pelo primeiro túnel de martelinhos! Uma experiência sempre engraçada e que requer alguma habilidade e espírito colaborativo pra se sair de forma airosa! Nestes amontoados espontâneos mais vale entrar na brincadeira e aproveitarmos o nosso martelinho pra defender a cabeça....eheheh.... é que de facto ninguém escapa.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O martelo de S. João foi inventado em 1963 por Manuel António Boaventura industrial de Plásticos do Porto, que tirou a ideia num saleiro/pimenteiro que viu numa das suas viagens ao estrangeiro. Nesse mesmo ano os estudantes abordaram o Sr. Boaventura com o intuito de lhes ser oferecido para a queima das fitas um “brinquedo ruidoso”, ao que o Sr. Boaventura acedeu oferecendo o que de mais ruidoso tinha...os martelinhos. A queima das fitas foi um sucesso com os estudantes a dar “marteladas” o dia todo uns nos outros e logo os comerciantes do Porto quiseram martelinhos para a festa de S. João. (in http://martelodesjoao.blogspot.pt/)
 
Já às portas da Ribeira um pé de dança ao som de quizombas e sambas entre turistas e forasteiros. " Biba o conbibio", que é disso que se trata nesta festa portuense.

A emblemática Ribeira já bem composta recebe-nos cheia de luz e ruidosos apitos dos barcos que enchem o rio. Aqui a festa é farta e sobejamente linda. Cada vez mais plurilingue e multi étnica!
Brincámos com japoneses, ingleses, espanhóis e fartamo-nos de dançar. A B. nãoqueria perder uma cabeça e até tivemos de comprar novo martelo!!!
Apetece ficar, apetece demorar o olhar pelo casario galardoado pela Unesco, apetece apregoar " o Porto é lindooooooo"....
Mas não tarda não se rompe por aqui, faltam duas horas para o fogo-de-artifício! Agora não vai parar de chegar gente. Todas as ruas são rios de multidão que aqui virão desaguar! A ponte Luís I não tardará a fechar, os que pretendem chegar ao cais de Gaia terão de se apressar....
Nós preferimos rumar ao largo de S. Francisco, damos um pulinho a Miragaia, esse pitoresco bairro em que as estreitas casas assentam em arcadas. Estamos num dos mais típicos bailaricos. Aqui não falta a música pimba de grupo e animados pares com genica para dançar a noite inteira.
Precisamos de nos posicionar para ver o fogo. O parque de estacionamento da Alfândega parece-nos desafogado o suficiente para nos servir os interesses. Aqui o rio está mesmo á nossa frente e vê-se bem o apinhado cais de Gaia. Os barcos posicionam-se. Tudo a postos para o fogo do Ano. Está a terminar o meu dia, mais um ano de vida! Urra, urra... Mas a festa tem aqui o seu momento alto e ainda agora começa a aquecer.  

 
Desta vez o tema do fogo é "danças do mundo" e o espetáculo pirotécnico começa ao som de Salvador Sobral e "amar pelos dois". É arrepiante ouvir milhares de pessoas em uníssono a cantar..."meu bem ouve as minhas preces"....esta multidão parece cantar ao Santo.
Ao Seu Adorado S. João, que não é patrono da cidade (a "Patrona" é a Santa de Vandoma) mas é festejado com direito a Feriado Municipal.  Desde o início do  século XX que o dia 24 de Junho passou a ser feriado municipal na Invicta, proporcionando um merecido dia de folia a milhares de tripeiros. E tudo graças a um decreto republicano e a um referendo aos portuenses, promovido pelo Jornal de Notícias.
Agora os olhos elevam-se e o céu ilumina-se inteiramente, jorram formas e figuras a serpentear coloridamente a noite. No fim do fogo, os aplausos e os apitos no rio. Este ano faltaram os balões, a noite esteve mais escura, mas compreende-se e cumpre-se a Lei. Sobretudo, por aqueles que esta noite não brincaram ao S. João. Os que tombaram no incêndio. Os que ficaram na estrada...por eles, só por eles, se compreende esta proibição, que eu prefiro pensar que também é para eles este luar, esta noite de folia...por que a vida tem de continuar!
 




 
Recomeçamos nova Romaria. Depois do fogo há que subir novamente aos Aliados. Os GNR vão actuar!
Paragem obrigatória no Largo de S. Domingos para mais um pé de dança!
Chegamos aos Aliados mesmo a tempo de assistir ao quase terramoto que a Pronúncia do Norte em dueto, nas vozes de Isabel Silvestre e Rui Reininho, provocava. Os Aliados tremiam com o entusiasmo galvanizado do povinho!
Não tenho barqueiro
Nem hei-de remar
Procuro caminhos
Novos para andar


É a pronúncia do Norte
Corre o rio para o mar
 
E com esta pronúncia, as pernas já cansadas, de bifana na mão e um fino na outra, um último brinde: Bibó Porto!!! Bibó S. João!
Para o ano haverá mais. 






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